A Crônica: A Mesa de Jantar é uma história bem-humorada escrita pela autora Juliana Saad. Mergulhe nesse conto e divirta-se!
Passei correndo no supermercado e entrei em casa quase na hora das minhas amigas chegarem. Joguei uma água no rosto e arrumei a mesa em dez minutos. Queijos e vinhos e muito papo pra pôr em dia. Quatro pratos azuis lindos de cerâmica pintados à mão, quatro taças delicadas que acabei de tirar da caixa, quatro guardanapos coloridos pra dar uma alegria, talheres de prata novíssimos que minha mãe me deu, essas quatro cadeiras lindas que encaixaram direitinho nessa mesa e muita ansiedade. Desde que mudei para esse apê, nunca consegui receber ninguém. Muito trabalho, sem tempo pra decorar a sala do jeito que eu queria, pouco ânimo com a situação do país, demorei meses para comprar uma mesa de jantar. Virei expert em equilibrar prato no colo e comer no sofá. E manchar o sofá. Aliás, errei quando escolhi esse sofá, é muito desconfortável. Mas penso nisso depois porque hoje é só alegria: vou receber minhas três melhores amigas da vida para, finalmente, inaugurar esse espaço que quero chamar de lar.
Interfone. Vieram juntas. Campainha. Que delícia! Que saudade. Beijos, abraços, presentinhos, não precisava, gritos de reencontro, euforia, detalhes, olhares, muito assunto, fome! Vamos sentar, meninas. Opa! Tá apertada a cadeira aí? Deixa eu arrastar a mesa um pouquinho aqui. Ui, que difícil de entrar, deixa eu me ajeitar. Ai, desculpa, a cadeira riscou a parede. Calma, calma, tudo bem! Puxa mais pra lá. Espera aí, entrei aqui. Tô quase, consegui! Ufa. Acomodadas? Deixa eu servir um vinho. Acho que essa mesa retangular ficou meio grande aqui, não? Não sei. Chegou ontem, gente, encostei assim na parede pra deixar mais espaço de passagem, mas não vi que ia apertar assim pra puxar as cadeiras. Você tá bem aí? Ai, desculpa. Imagina! Para com isso! Esse Brie tá divino. Mas puxa um pouquinho a mesa pra esse lado, assim, isso, melhor. Acho que foi essa cadeira que ficou grande. Meninas, desculpa mesmo, sem ninguém parecia tão bom. Pode parar de se desculpar! Mas talvez uma mesa redonda cairia melhor aqui, hein. Não dá, tenho uma cisma com mesa redonda. Oval, então, nem me fale, detesto! Bobagem? Vocês acham? Sim, eu sei que é melhor testar, pedir opinião, mas não deu, gente, sei lá. Ai, tô arrasada. Arrasada? Que é isso, amiga! Esquece. Chega desse assunto. Vamos falar de coisa boa. Um brinde, gente!
Brindamos, nos jogamos nos comes e bebes, choramos de rir. E choramos de chorar também, de emoção com as novidades de cada uma, com as lembranças da nossa amizade de anos, choramos de saudade de amigos que foram pra longe. Aperta daqui, ajeita dali, o assunto de mesa e cadeiras ainda foi e voltou algumas vezes, mas tudo numa boa. Gargalhamos das nossas escolhas imperfeitas, e minhas amigas prometeram me ajudar a reorganizar meu espaço e minha cabeça. Ou, pelo menos, me encaminhar para quem entende de cada coisa. Já mandaram contatos de arquitetas, alquimistas, terapeutas, amores. Alta madrugada, nossos assuntos e risadas não têm fim, começa o movimento de levantar acampamento e se despedir. As quatro pra lá e pra cá, andando e falando sem parar, pratos e taças na pia, embrulha queijo, recolhe migalha de pão, guarda jogo americano, junta garrafa vazia, escreve nas rolhas pra não esquecer o momento, passa pano na mesa… Olha, definitivamente essa mesa não ficou boa aqui. Uma quadrada ficaria melhor. Ah, não! Risos. São três da manhã, preciso ir embora, amiga! Eu também. Vamos? Vamos! Pega bolsa, põe casaco, abraça, esmaga, beijo, beijo, foi bom demais. Elevador chegou. Espera! Só mais uma coisa: próximo encontro vai ser um piquenique no parque. Uma belíssima mesa de grama, sem erro! Mais risos. Tchau, meninas, obrigada pela companhia, amei. Respiro. Banho, pijama, cama. Deito a cabeça no travesseiro e durmo feliz. Ops. Quase feliz. Esse travesseiro…
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